terça-feira, 23 de novembro de 2010

Do Sucesso ao Mérito; Do Vulgar ao Talento

Diga-se de passagem, o sucesso é algo repugnante. Sua falsa semelhança com o mérito engana os homens. Para a multidão, o sucesso tem quase o mesmo perfil que a superioridade . O sucesso, sósia do talento, tem quem se queixe lograr: a história. Somente Tácito e Juvenal rosnaram para ele. Hoje em dia, uma filosofia quase oficial entrou em intimidade com ele, enverga a sua libré e lhe serve de antecâmara. ser bem sucedido: teoria. Prosperidade supõe capacidade. Ganhe na loteria e será considerado um homem hábil. Quem triunfa é venerado. Nasça com sorte e pronto, o resto virá por si; seja feliz e será visto como grande. Fora cinco ou seis grandes exceções, que fazem o esplendor de um século, a admiração contemporânea não passa de miopia. o dourado passa por ouro. Ser o primeiro a chegar não prejudica nada, desde que sejamos esse primeiro.

O vulgar é um velho Narciso que adora a si próprio e aplaude a vulgaridade. Esta grande faculdade pela qual se é um Moisés, um Ésquilo, um Dante, um Michelangelo ou um Napoleão, o povo a outorga sem dificuldade, e por aclamação, a quem quer que atinja seus objetivos, seja no que for. Que um tabelião se transforme em deputado; que um falso Corneille componha Tiridate; que um eunuco chegue a possuir um harém; que um Prudhomme militar ganhe por acidente a batalha decisiva de uma época; que um boticário invente solas de papelão para o exercito Sambre-et-Meuse, e, vendendo-as como couro, construa uma fortuna de quatrocentos mil francos; que qualquer bufão case com a usura e faça parir sete ou oito milhões, dos quais ele é pai e ela mãe; qualquer pregador se torne bispo pelo falar anasalado; que o mordomo de um palacete saia de lá tão rico que o façam ministro das finanças, a isso os homens chamam de talento, do mesmo modo que chamam a beleza à figura de Mousqueton, e Majestade à aparencia de Cláudio. confundem com as constelações do infinito as estrelas impressas pelas patas dos gansos na superfície mole do lodaçal.


Victor Hugo, Os Miseráveis